quinta-feira, agosto 20, 2020

Memórias dos Anos 70: Mais Histórias da Faculdade

Os cinco anos de faculdade foram repletos de situações cômicas e trágicas (às vezes era difícil decidir se era uma coisa ou outra). Faço aqui um "dump" de algumas destas histórias, sem me preocupar muito em seguir uma ordem cronológica e me abstendo de identificar os envolvidos.


Engenharia é um Curso Difícil

Já mencionei a filosofia "curso bom é curso difícil" seguida por muitos professores. Os exemplos abundam e várias disciplinas tinham (muitas ainda tem) triste fama.

Uma delas é Resistência de Materiais, que tive no segundo ano, quando já tinha ocorrido a primeira divisão de especialidades e eu cursava Engenharia Elétrica. Aí vinha a nossa primeira reclamação: para que resistência de materiais para engenheiros elétricos? A resposta oficial era que todo engenheiro pode assinar o projeto de uma casa com até n andares. Não creio que a escola me tenha preparado para isso...

Mas eu tive sorte e o professor era bom e tinha fama de "bonzinho". No primeiro dia de aula ele mandou fazer algo que "era tradição": olhar para os colegas à direita e à esquerda - um dos três ia ficar (quem ficou era o que estava à minha esquerda).

Uma segunda reclamação era o método de correção dos exercícios da prova, que sempre envolviam uma grande quantidade de contas. O professor conferia primeiro o resultado final, se estava errado era zero. Se estava correto o professor conferia a forma como o resultado tinha sido obtido. O motivo, é claro, era que um cálculo errado faria cair aquela casa de até n andares cujo projeto a gente podia assinar... Na última prova do segundo semestre (o adeus a ResMat, pelo menos para 2/3 dos alunos) o professor passou um exercício totalmente literal (ou seja, com letras no lugar dos números). Saí da prova certo que não deveria ter duas provas com o mesmo resultado, tal a salada de letras que eu obtive.

Outro bicho papão é a Mecânica dos Fluidos (MecFlu). Esta matéria tinha, além das aulas teóricas, laboratório. Dado o índice de reprovação, a turma tinha vários "veteranos". Na primeira aula de laboratório, cada equipe "ganhou" um veterano. O da minha equipe ficou encarando o jovem professor um tempo e aí perguntou: "em qual ano você se formou?". Dada a resposta, bateu na testa e disse: "Você foi meu colega de turma!".

De um modo geral a maioria conseguia se formar com a turma em que entrou. Em alguns casos demoravam mais um ou dois anos devido ao acúmulo de disciplinas pendentes. E tem aqueles que ficavam perambulando por anos até serem jubilados por exceder o tempo máximo.

Mais Histórias de Laboratório

Como já mencionei, as aulas de laboratório nem sempre eram tão tranquilas quanto se esperava. Já falei do traumático Laboratório de Física no primeiro semestre. O laboratório de MecFlu também era bem forçado e tinha a pressão adicional de obter uma boa nota para compensar as terríveis provas.

Um laboratório que devia ser simples era o de Eletricidade. Porém eu peguei uma professora mais exigente, que colocava questões complicadas na provinha que deveria ser simples formalidade. Felizmente a aula era dado por uma dupla de professores e o par dela compensava colocando questões fáceis. As instruções de algumas montagens eram meio confusas, o que levou a uma situação cômica (envolvendo a outra professora da dupla). Ficamos confusos durante as instruções e continuamos confusos ao tentar a montagem. Sem mais alternativas, chamamos a professora, que desmontou tudo, montou de novo e foi direto medir a tensão sobre um fio... o que obviamente resultou em zero. O difícil foi manter a cara séria.

O laboratório de Eletrotécnica também teve um pouco de emoção. O professor era relativamente novo e não se conformava com o descrédito do departamento de eletrotécnica frene ao "charme" da eletrônica (e não o culpo totalmente por isso). O laboratório tinha realmente uma aparência de museu e teve uma vez que a experiência não pode ser feita pois todos os motores estavam com defeito (estou falando de motores de verdade, não estes brinquedinhos que os makers usam). Para complicar, eu estava na turma de sábado de manhã. O pessoal que escolhe a turma de sábado é quem quer liberar horas durante a semana para estágio ou trabalho. Sábado de manhã estavam todos cansados e sonolentos e o professor querendo interação da turma: "Se traçar uma curva, qual figura vamos obter?". Silêncio. O professor repete mais alto. Aí um colega se arrisca, só para não ficar silêncio: "Uma parábola?".  "Parábola, parábola...  @$# quem já viu uma curva de experiência dar parábola? É uma reta!!! Vamos parar, todo mundo vai tomar café e voltar acordado daqui a cinco minutos!".

De Boa Intenção o Inferno e o Currículo Escolar Estão Cheios

Certas matérias parecem ter sido colocadas no currículo com base em alguma boa intenção, mas a coisa desandou na prática. Como "Ciências do Ambiente", que foi uma disciplina extremamente chata.

Uma matéria esquisita foi "Instituições de Direito", lecionada por um professor da Faculdade de Direito. As aulas eram semana sim, semana não (em um dos auditórios com uma centena de alunos), mas o professor faltou em algumas semanas sim. No dia da prova corria uma ameaça de alguns alunos "melarem" o curso (alegando não ter tido o número mínimo de aulas) caso alguém fosse reprovado. Acho que passamos todos.

Uma disciplina mais tradicional que estas duas era "Estudos de Problemas Brasileiros", presente nos dois últimos semestres do curso (estas eu antecipei para o penúltimo ano, quando a carga horária era mais leve). O formato era uma palestra quinzenal no auditório. Eu só lembro de ter assistido uma até o fim e foi algo curioso. A palestra era do presidente do IPT, sobre a Paulipetro. A Paulipetro foi mais uma das polêmicas iniciativas de Paulo Maluf, um consórcio envolvendo o IPT para procurar petróleo em São Paulo. Minha expectativa era uma palestra "chapa branca", mas o que me prendeu até o final foram as críticas do palestrante à iniciativa. No dia seguinte os jornais informavam que o presidente do IPT tinha renunciado ao cargo.

No final, a coisa toda depende muito do professor. Foi caso dos dois semestres de "Organização Industrial" no último ano. No primeiro professor o professor era bom e soube interessar a classe no assunto. Já no segundo semestre o professor era apelidado de "almofadinha", por vir de terno e pedir para alguém escrever na lousa por ele ter um suposta alergia a giz... Nas aulas, este professor ficava divagando e dizendo besterias (uma vez fez um "brilhante" resumo da situação mundial - "O Brasil é o país do futuro! Os países do Norte estão todos congelados e na África o pessoal vive em árvores"). Na véspera de cada prova ele listava os capítulos do livro texto que deviam ser lidos. Alguns alunos "otimizavam o processo": tiravam xerox reduzido dos capítulos e faziam a leitura simultaneamente com a prova. O final da última prova foi comemorado com uma chuva de capítulos picados. Um colega mais radical chegou a chamar um professor linha dura e mostrar a sala e as possíveis provas de cola, mas não deu em nada.

O Professor "Maluco"

Esta história vai soar invenção e eu mesmo às vezes fico em dúvida se não foi um pesadelo que os anos fizeram confundir com a realidade... O fato é que no último semestre, quando já sentimos os ventos da vida pós-escola, tinha uma disciplina de nome estranho sempre dada pelo mesmo professor doutor catedrático. O conselho dos veteranos era: "assistam uma aula, nem mais nem menos".

O comportamento do professor era realmente o esterótipo de um louco. Termos estranhos proferidos em voz alta, agitação constante. Uma sigla foi desenhada na lousa no formato de uma cabeça de índio.

É difícil dizer o que as aulas pretendiam ensinar. A minha opinião era que era uma reinvenção da álgebra booleana, baseada em métodos heurísticos não precisos que ganhavam nomes pitorescos (ficou na minha mente um dos nomes: "regra dos golfinhos").

Para ninguém relaxar, o professor lembrava que as notas dos alunos podiam ser revisadas até cinco anos após a formatura. Esta nota dependia de provas e exercícios. Não vou tentar descrever a prova final, teve um colega que levou uma filmadora e filmou uma parte. Não creio que alguém acredite que aquilo era uma prova numa instituição séria de ensino.

Quando estávamos fazendo um último exercício achamos uma sala de aula que tinha armários lotados de exercícios de anos anteriores. Para evitar a "cola" os exercícios partiam sempre do "número USP" (o número de matrícula). Um colega pegou uma folha, colocou o nome e número USP dele e foi preenchendo as linhas com números conforme o seu entendimento das regras amalucadas. Ao completar a folha, pegou um exercício ao acaso do armário, arrancou a primeira folha e colocou a dele. Foi aprovado como todos os outros.

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