Uma CPU de Cobra 400 |
Como eu mencionei no post anterior, o convite para concorrer a um estágio veio do professor de Introdução a Ciência da Computação. Entretanto, foram poucas as vezes que me encontrei com ele no IPT.
Inicialmente eu tinha como orientador um engenheiro eletrônico quase formado, porém ele saiu quando se formou. Não lembro de ter um orientador formal depois disso, a orientação técnica vinha de dois engenheiros formados alguns anos antes. Para mim eles representavam a realidade brasileira antes da reserva de informática: tinham estudado sobre computadores e software básico, mas as principais oportunidades de emprego eram ser "vendedores técnicos da IBM" ou "analistas de banco" (exagerando um pouco). Trabalhar no IPT foi a opção que acharam para manter uma parte dos sonhos. A última notícia que tive deles, décadas depois, é que, atraídos por salário melhores, tinham "entregado os pontos" e ido trabalhar como analistas em um banco.
Eu acabei fazendo uma amizade mais forte com o irmão de um deles. Era uma espécie de "ovelha negra" da família, tinha largado os estudos e acabou virando programador por insistência do irmão. Era um figura mais folclórica, boca suja e contador de casos. Compensava a falta de estudo formal com curiosidade e dedicação.
A primeira coisa que colocaram na minha mão foi um manual de COBOL. O IPT tinha um computador de médio porte, um B1700 da Burroughs. Uma curiosidade é que o software básico era escrito em uma linguagem de alto nível, a SDL (Software Development Language), uma versão restrita desta linguagem era oferecida como UPL (User Programming Language). A SDL era inspirada no Algol e tinha coisas curiosas como ter um "DO FOREVER" como instrução de loop, para interromper era preciso usar o BREAK (obs: acho que esses eram os nomes dos comandos, faz muito tempo que brinquei com isso).
Entretanto eu logo me afastei do B1700 e me dediquei a um computador recém chegado, o Cobra 400. Já falei sobre esta máquina no blog, agora vou falar um pouco sobre os usos que o IPT deram para ele.
O primeiro uso foi a digitação, que era a finalidade original do projeto americano. O Cobra 400 era uma opção bem mais versátil e rápida que as velhas perfuradoras de cartão e os digitadores logo se afeiçoaram a ele, apesar de uma certa desconfiança com o fato de não se ter nenhuma evidência física do resultado da digitação.
Mas o interesse principal era outro: desenvolver um sistema de administração municipal. Algo que não era exatamente o propósito daquela divisão do IPT, já que existiam órgãos como a Prodesp (a nível estadual) e o SERPRO (a nível federal). Os módulos previstos inicialmente eram os de Contabilidade, ISS e IPTU. Estes dois últimos eram um verdadeiro inferno, já que as prefeituras tem autonomia para determinar as formas de cálculo e coisas muito loucas estão em uso.
Se já era estranho o IPT estar desenvolvendo algo que não devia, a coisa ficou pior quando surgiu um consultor para oferecer o sistema às prefeituras. Dizia-se que ele casado com uma parente do secretário estadual de ciência e tecnologia (ao qual o IPT estava de certa forma ligado). O consultor tinha um grupo de associados, após a reunião onde foram apresentados alguém reparou que todos estes associado tinham alguma outra fonte de renda... Algo que fez mais sentido quando o consultor mencionou que seus associados "deixavam a remuneração na sociedade como investimento para receber mais quando o 'bolo' crescesse".
Com o andar do projeto ficou claro que existia um problema não técnico: as prefeituras que tinham receita suficiente para adquirir um Cobra 400 tinham um volume de dados superior à capacidade dele. Rodaram algumas sugestões de portar o sistema para outros minicomputadores, mas não creio que fosse viável dada as imensas diferenças entre eles. Mesmo assim o IPT chegou a anunciar o sistema em um stand bem improvisado em uma feira de informática.
Para surpresa geral, foi anunciado que o sistema ia ser implantado por uma prefeitura de médio porte (prefiro não mencionar a cidade). Um belo dia lá fui eu morrendo de medo com uma fita magnética (!) para instalar o sistema no dia da inauguração. O meu pânico só passou quando me informaram que ainda não tinha sido feita a instalação elétrica e portanto a inauguração ia ser com os equipamentos desligados mesmo. O bom foi que depois da inauguração o pessoal técnico da prefeitura nos levou para comer um bife a parmegiana no melhor restaurante da cidade. Nunca mais ouvi falar sobre esta implantação.
É claro que algum tempo depois o escândalo estourou, o secretário estadual disse não conhecer o tal consultor e mandou "demitir os envolvidos". Se demitiram alguém, não foi um dos participantes diretos no desenvolvimento. O projeto foi abortado e o consultor nunca mais apareceu. Neste ponto eu já estava no último ano da faculdade e fui procurar um estágio mais próximo da área onde queria atuar depois de formado.
Como disse no começo, aprendi neste estágio coisas que não esperava.
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