quinta-feira, outubro 22, 2020

Memórias dos Anos 80: O PC IBM

Antes de começar a contar sobre o meu envolvimento no desenvolvimento de um dos primeiros PC-compatíveis brasileiros, vou voltar mais alguns anos no tempo e falar um pouco sobre o PC IBM original e o seu lançamento.

O lançamento do PC-IBM ocupou as capas de todas as revistas


Padronizou-se que o primeiro microcomputador foi o Altair 8800, em 1975. Era o projeto de uma empresa pouco conhecida, e vendido em kit. Em 1977 uma jovem empresa lançou o que seria o líder deste mercado (o Apple II). No mesmo ano tivemos o primeiro computador de uma empresa conhecida, o TRS-80 da veterana Radio Shack. Outro nome conhecido, Atari, também lançaria um microcomputador em 1979. Mas a grande maioria das empresas que fabricavam microcomputadores eram desconhecidas. Os mais vendidos eram micros domésticos, voltados para o lazer. O lançamento do VisiCalc (uma planilha eletrônica - "um Excel" - para quem nunca ouviu falar) levou a uma certa penetração dos micros Apple em empresas, mas microcomputadores eram vistos mais como brinquedos e apenas visionárias empresas pequenas ou médias se arriscavam a usá-los no dia-a-dias dos seus negócios.

A pergunta no ar era quando a IBM lançaria o seu microcomputador. É difícil hoje em dia entender o domínio que a IBM tinha no mercado de computadores. O mais próximo que temos hoje é o domínio do Windows (desconsiderando que a maioria dos celulares roda Android que deriva do Linux). A indústria de mainframes era conhecida como "IBM e os sete anões". Um processo anti-trust do governo americano se arrastou por mais de uma década (de 1969 a 1982). Em 12 de agosto de 1981 a espera pelo microcomputador da IBM terminou*.


O "IBM Personal Computer model 5150" (PC-IBM para os íntimos) não era nada do que a maioria esperava. O seu projeto foi feito em pouco mais de um ano, usava componentes do mercado e tinha uma arquitetura aberta. A previsão era vender 220 mil unidades nos primeiros três anos. Cada um tem a sua visão sobre o PC-IBM, suas características e as motivações da IBM. O que segue é a minha (duh!).

Para mim a IBM atirou num mercado e acertou em outro (onde não queria acertar). Os anúncios da época deixavam claro que o PC-IBM era um computador "pessoal" (se bem que a IBM não tinha muita ideia de como seduzir o usuário doméstico):

Do ponto de vista do hardware o projeto era burocrático (exceto pela escolha de um processador de 16 bits). Enquanto Wozniak e outros se esforçavam para extrair características incomuns de componentes comuns, o PC-IBM poderia figurar num Application Note da Intel (daqueles bem caretas, que procuravam colocar o maior número possível dos componentes auxiliares). A configuração básica tinha 16K de Ram e suportava leitura e gravação em K7 (em imagino que quem comprou esta configuração foram empreendedores que colocaram mais memória, interface e unidades de disquete e venderam com lucro). Aliás, o PC-IBM não era barato:

"Clique para ampliar"

Mas o PC-IBM tinha algumas características importantes. A sua caixa metálica inspirava robustez. O seu teclado era profissional. E, nesta época, "ninguém era demitido por comprar IBM". Fosse ou não intenção da IBM, o PC-IBM colocava um selo de aprovação no uso de microcomputadores por empresas.


A arquitetura aberta deu um empurrão para o desenvolvimento de software e hardware por terceiros (algo que já tinha sido visto, em menor escala, com o Apple II). O "PC-IBM Technical Reference" incluía esquemas, descrição de funcionamento e até a listagem completa do BIOS.

O ponto que talvez tenha sido mais inesperado foi o surgimento dos "clones". Os microcomputadores costumavam ser únicos. Raras tentativas anteriores de fabricar cópias não tiveram muito sucesso comercial, apesar da falta de clareza quanto à proteção legal ao código executável.

Um fator que facilitou o surgimento dos clones foi a possibilidade da Microsoft oferecer para eles praticamente o mesmo sistema operacional. Segundo Ken Williams (fundador da Sierra, que desenvolveu inicialmente o jogo "King Quest" para o PCjr), os contratos da IBM eram explícitos em dizer que a IBM não teria exclusividade. Ele acredita que fosse resultado do trauma do processo anti-trust.

O que exatamente seria um "micro compatível" era objeto de debate (eu sentiria isso na pele com o Nexus 1600). Incialmente os micros eram bem diferentes entre si e as aplicações dependiam dos menores detalhes para funcionarem, gerando incompatibilidades. Era comum falar que o micro "X" era pouco compatível porque não rodava a "popular" aplicação "Y" e, em contra partida, desenvolvedores da aplicação "Y" quebrarem a cabeça para rodarem corretamente no micro "X" porque ele era adotado por um cliente importante.  Com o tempo a situação convergiu. Mais para frente as aplicações precisaram se adaptar a uma variação maior de micros da IBM e surgiu uma indústria de componentes de hardware e software que homogeneizou os "clones". 


* Vamos ignorar o IBM 5100 de 1975, que além de ser um computador pessoal e rodar BASIC, era também portátil... mas custava a partir de US$9000 (dólares da época). Eu juro que alguma vez eu vi um, só não lembro onde.

Um comentário:

Olicheski disse...

Muito bom.Gosto muito destas postagem sobre "hardware antigo", gosto porque é "fácil" aprender como funciona seja o hard ou software. E muitas vezes tenho dificuldade em encontrar conteúdo sobre estes computadores, nem falo em conteúdo em português, pois é quase impossível, obrigado pelo thechnical Reference, vou dar uma lida logo mais. Sigo com a leitura do blog. Até o próximo.