quinta-feira, julho 30, 2020

Memórias dos Anos 70: Universidade, parte I

Em 1977 eu comecei a estudar na gloriosa Escola Politécnica da USP. Após todos os anos de primário, ginásio e colégio eu esperava algo diferente. Mas certamente não o que eu encontrei. Não tenho ideia do quanto a minha experiência se assemelha à situação atual (ou mesmo se os meus colegas compartilham as mesmas impressões).

Vista aérea do "biênio". No meu tenho tinha um fosso ao redor do "cirquinho" e o primeiro prédio ligado a ele não existia.


Muitas coisas me incomodaram no primeiro semestre, a começar pelo medo sempre presente de um trote um pouco mais violento. Várias aulas eram nos anfiteatros, com turmas de 50 a 120 alunos. O formato predominante era o expositivo, com pouca interação entre o professor e os alunos. Um assunto constante nas primeiras aulas era as fórmulas cálculo da nota final, que envolviam provas, provas substitutas, exercícios e/ou laboratórios com pesos diversos.

As aulas de física supunham que os alunos conheciam cálculo, que nós estávamos tentando aprender na combinação de aulas teóricas (em auditório) e aulas de exercício (em turmas menores). Cálculo foi o primeiro exemplo de uma perversa filosofia de ensino: curso bom é curso difícil.

Aqui cabe uma historinha de alguns anos depois, quando já tinha deixado para trás as aulas de cálculo. Num intervalo entre aulas eu estava de bobeira perto de um anfiteatro e escutei um professor de cálculo (meio famoso, mas não tive aulas com ele) conversando com alguns colegas: "A melhor turma que já tive foi uma turma da FAU (Faculdade de Arquitetura da USP). Eu dei aquela primeira prova ferrada para amaciar a turma e o pessoal foi bem. Eu falei: "estão colando". Então eu dei uma segunda prova ainda mais ferrada, com provas diferentes paras as filas e fiquei de olho. O pessoal foi bem de novo. Na terceira prova eu fiz uma prova realmente difícil, coloquei os alunos em carteira sim, carteira não, dois monitores vigiando e fiquei em cima de uma carteira para ver se pegava alguém colando. Mesmo assim eles não foram muito ruim - eram bons mesmo!".

O fato é que várias disciplinas tinham taxas de reprovação de 30% ou mais - e se vangloriavam disso.

Um dos efeitos do vestibular (e aqui não vou entrar em discussões filosóficas) é que quase todos os alunos da Poli tem um histórico de boas notas, seja por inteligência ou por esforço (mais frequentemente uma combinação disso). Muitos dos que não se encaixavam neste perfil via a entrada na Poli como uma indicação quase divina para o estudo. Poucos alunos conseguiam manter uma atitude de estudo relaxada.

Uma outra experiência traumatizante foi o laboratório de Física. Tipicamente as aulas de laboratório exigiam apenas que os alunos seguissem um roteiro simples: (1) Não faltar nas aulas (2) Ler previamente a apostila (o que poucos vaziam) (3) Seguir o melhor possível o que está na apostila, fazendo as medições e anotações com razoável cuidado (4) Escreve um relatório dizendo o que foi feito, listando as medições, fazendo os gráficos indicados e explicando os motivos prováveis para os inevitáveis erros. Seguindo isso, a nota de laboratória aliviaria um pouco a necessidade de boas notas nas provas. Eis que na primeira aula de laboratório de Física o professor começa a falar em derivadas parciais... Na segunda aula devolveu os relatórios corrigidos da primeira - só notas baixas (acho que tirei 4, o que foi motivo de inveja para um terço da turma!).

Um ponto positivo para mim era que a maioria dos professores não dava importância para a presença nas aulas. Não era uma política oficial e somente alguns professores falavam abertamente sobre isso. Existiam alguns poucos partidários da linha dura, com a lista sendo passada aluno a aluno por um bedel. Em alguns casos eram usados cadernos de presença e o aluno podia de um só vez assinar por vários dias (os professores só pediam para não assinar por aulas futuras). Em outros casos um amigo assinava por outro ou você assinava e saía discretamente.

As aulas de Física tinham um problema adicional para mim, que acabaram levando a uma importante descoberta. O meu problema é que o meu pai era figura conhecida no instituto de Física e o nome Quadros não é muito comum. Portanto os professores (pelo menos os de teoria) me conheciam e isso me deixava encabulado de sair da aula. No primeiro ano eu tive aula com uma professora de didática mediana. Eu cheguei a experimentar sair de uma aula dela para ir ver a aula de um amigo do pai (aula excelente, sala cheia, me arrependo um pouco de não ter assistido mais aulas dele). Mas aguentei firme o primeiro semestre, com um desempenho mediado. No segundo semestre a coisa ficou mais complicada, eu simplesmente não conseguia entrar em sintonia com as aulas. Com a primeira prova chegando, juntei toda a minha coragem, coloquei de lado o orgulho e fui perguntar para o meu pai se ele tinha um livro bom de Termodinâmica (os livros indicados pelos professores eram normalmente livros de colegas). Ele indicou um livro na estante com encadernação gasta, em inglês.  Estudei, fiz a prova e fui bem. Foi aí que eu descobri que era capaz de aprender nos livros e não dependia mais dos professores.

O curso do primeiro semestre que teve maiores consequências para mim foi "Introdução à Ciência da Computação", mas isso é o tema do próximo post.

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