Mais um livro do inspetor Maigret, desta vez em inglês. Um assassinato ocorre na pequena cidade holandesa de Delfzijl, um professor francês aparece com a arma do crime e Maigret é enviado para acompanhar a investigação. Um caso que, para mim, possui alguns aspectos interessantes que não vi nos outros livros de Maigret.
Maigret começa em clara desvantagem. Está em um país estranho, não fala a língua local e poucos falam francês. Não tem o controle da investigação, depende da boa vontade dos outros.
Ao contrário de outros livros de Maigret, neste aparecem temas tradicionais (clichês?) dos livros policiais. No começo o morto parece ser uma pessoa perfeita, que ninguém desejaria matar. Não demora muito para todos serem suspeitos. Temos até algumas provas físicas, um boné, um toco de charuto e o revolver. No final do livro Maigret comanda uma reconstituição do crime e, fato talvez único, faz uma exposição do caso e desmascara o assassino na frente de todos os envolvidos. Mas o foco é satírico.
O professor francês é um teórico do crime, extremamente pedante. No começo do livro oferece a Maigret uma série de diagramas que mostram o local do livro e indicam onde estavam as pessoas na hora do crime. Por alguns segundos pensei até que iria me deparar com estes diagramas ao virar a página (como em alguns livros de Ellery Queen). O policial holandês que cuida do caso lembra as vezes os empoados detetives das histórias de Sherlock Holmes
Em vários momentos o livro se aproxima do "whodunit", o mistério policial clássico. Senti em alguns momentos que iria aparecer uma reviravolta inesperada, uma ligação imprevisível entre alguns personagens, como nas histórias de Agatha Christie.
Mas sempre que alguém pergunta para Maigret "o que você pensa?" ele
responde, às vezes risonho e às vezes bravo: "não penso nada.". Maigret vai como se encorpando ao longo do livro, passando de uma atuação hesitante e desajeitada para o comando das ações. A reconstituição do crime no final é lenta e dolorosa para os participantes. Antes de revelar o culpado, Maigret pergunta retoricamente: vocês querem saber a verdade?
Nos livros de Maigret a força está nos personagens e nas situações, na crítica à hipocrisia da sociedade. Delfzijl é uma cidade bela, quase um bibelô. Seus habitantes se dividem em dois grupos, a parte "alta" da sociedade com sua austeridade protestante e os marujos e fazendeiros. O morto é uma especie de ponte entre os dois: um ex-marinheiro que casou com a severa filha de um diretor da escola. A solução do caso balança com tudo isto.
Simenon ainda acrescenta um trecho final, com Maigret encontrando um dos personagens anos depois, para apresentar um último clichê e uma espécie de conclusão filosófica sobre tudo.
Veredito
Fortemente recomendado.
Obs.: o livro está disponível em português na coleção da L&PM, com o nome "Um Crime na Holanda".
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