quinta-feira, março 11, 2021

Memórias dos Anos 80: O incrível ano de 1989

1989 foi, em muitos aspectos, um ano especial. Mas a gente só foi descobrindo isso aos poucos. No lado pessoal, completei 30 anos, casado e com uma filha (no segundo semestre ficamos grávidos novamente). A Humana mantinha o ritmo de crescimento e agora ocupava duas casas, um somente para a equipe de desenvolvimento.


Como muitas pequenas empresas, a Humana tinha sido criada pelas economias do seu dono e o seu crescimento vinha sendo quase que exclusivamente autossustentado (se lembro direito, provavelmente em 88, a Humana usou uma vez uma linha de crédito do governo). A principal ferramenta de gerenciamento financeiro para o dono era o fluxo de caixa, que mostrava as previsões de entrada e saída. O horizonte de caixa positiva costumava ser curto, às vezes alguns dias. No final de 1989 atingiu finalmente três meses, o que foi saudado como o início de período de maturidade e estabilidade financeira. Não suspeitávamos que aquele era o auge e que isso evaporaria literalmente da noite para o dia.

Como "diretor de desenvolvimento" (eu prefiro dizer líder, mas de vez em quanto me dava ao luxo de um pouco de orgulho do cargo) sofria um pouco as dores do crescimento. Vários projetos ao mesmo tempo, mais ambiciosos e menos tempo de mão na massa.

É preciso falar um pouco sobre política e economia... Em 1985 a ditadura militar tinha chegado ao fim e Sarney tinha ganhado inesperadamente a presidência. A inflação, que eu conhecia desde a infância, continuava a acelerar. Em 1986 foi lançado o plano Cruzado, muito apoiado inicialmente mas que foi fazendo água enquanto ajustes eram postergados por causa das eleições no mesmo ano (nas quais o PMDB elegeu mais de 50% dos deputados). Tentativas seguintes de parar a inflação não tiveram sucesso e em 89 (após a criação do Cruzado Novo) a situação estava totalmente fora de controle. No final do ano a Humana estava pagando e reajustando salários semanalmente (a inflação em novembro foi de 45%).

No lado político, o PMDB tinha rachado e criado o PSDB. A primeira eleição presidencial após a ditadura tinha um número grande de candidatos que não empolgavam. A exceção era o Lula (mas um Lula diferente do que você provavelmente conhecem: um pouco mais radical e candidato por um PT bem mais a esquerda). Cenário perfeito para um populista oportunista.

Eu não votei no primeiro turno da eleição (seria a primeira vez que votaria para presidente): estava nos EUA junto com o dono da Humana para ir na Comdex/Fall 89 em Las Vegas. É difícil explicar a grandiosidade deste evento. O Centro de Convenções de Las Vegas, onde estavam as grandes empresas, é muito maior que um Anhembi ou um Riocentro. E era somente um dos não lembro quantos locais (algo em torno de uma meia dúzia). O evento durava uma semana e acho que gastei todos os dias para visitar todos os locais.

Do ponto de vista de tecnologia, algumas mudanças estavam claras. Faixas anunciavam o 80386 e Bill Gates chamava de "brain dead" o 286.  Além de todos os avanços técnicos do 386 em relação ao 286 existia uma imensa diferença comercial: o 386 seria produzido somente pela Intel. Anteriormente a maioria dos chips eram produzidos, sob licença, por várias empresas. O sucesso do 386 era também vital para o novo lançamento da Microsoft, o Windows 3.0. A dobradinha Wintel estava começando a ganhar terreno sobre a concorrência. 

Integração e chips custom estavam avançando (lembrando, na época uma motherboard de PC ainda tinha um monte de chips comuns e as controladoras de disquete, HD e vídeo eram placas de expansão). Encontrei dois ex-colegas da faculdade e da Scopus, que agora tinham uma empresa própria de fabricação de terminais compatíveis com IBM, coçando a cabeça na frente de um estande. Em demonstração estava um terminal IBM em um chip: bastava ligar um teclado e monitor de PC (e a fonte, é claro).

Outro ponto era a chegada dos chineses. Um dos locais que eu visitei era um centro de exposição imenso, com uma quantidade absurda de estandes pequenos, cada um com um monte de placas expostas nas parede, a maioria de empresas chinesas.

Ficamos nos EUA pouco mais de duas semanas. Além da Comdex, outro compromisso oficial foi uma demonstração do Zapt na Norton Computing (não, não conhecemos o Peter Norton).

Uma tarde quando estávamos descansando no hotel fomos surpreendidos por uma notícia na TV: o muro de Berlin estava sendo derrubado. Sim, 1989 foi um ano muito especial (e provavelmente você não tem ideia disso).

2 comentários:

Xracer disse...

Uau, incrivel ano mesmo, eu tinha 22 quando das eleicoes, foram as primeiras em que votei. Estava cursando Engenharia Eletrica na UFG e tinha comecado um namoro serio com uma garota de 19 anos, que depois viriamos a casar (e estou casado ate hoje). Comecei a trabalhar nesse ano e no ano seguinte compraria meu proprio carro. Na Informatica so tinha um TK90X, manipulava CP500 e Apple II nos laboratorios de PD da Universidade, com hora marcada (e disputadissimas). PC mesmo tinham poucos la e so para os alunos da C. da Computacao. Anos depois eu faria esse curso e me formaria em Computacao. Um tempo inesquecivel, que aproveitei bastante.

Paulo Bezerra disse...

Como vc lembra disso tudo ????