quinta-feira, março 18, 2021

1990: O Ano em Que Nos Ferramos

Este vai ser um post meio amargo. Só não é amargo por completo porque em 1990 teve uma coisa muito boa: o nascimento do meu filho.

No capítulo anterior a Humana estava indo super bem, atingindo a segurança financeira e vendendo uma centena de cópias de Zapt por mês. Existia a preocupação com a inflação descontrolada e a incógnita do "caçador de marajás" que tinha sido eleito presidente, mas nada preparava para o que ia acontecer.


Zélia Cardoso de Melo

As coisas estavam caminhando bem e em meados de março nasceu o meu filho e saí de férias. Mas antes mesmo que ele viesse para casa caiu a bomba do plano Collor. A maioria de vocês devem ter ouvido falar nisso como o "confisco da poupança", mas foi muito mais que isso. A ministra Zélia Cardoso (retratada acima em 2008) levou ao pé da letra a ideia que os preços subiam por excesso de liquidez e resolveu diminuir o dinheiro em circulação.

As regras adotadas foram arbitrárias e confusas. Se você tinha economias concentradas em um único investimento podia ficar com menos de quem tivesse o mesmo valor distribuído em vários. O próprio governo não conseguia explicar o que estava sendo feito. Boatos sobre vazamentos do plano nunca foram investigados.

O dinheiro realmente saiu de circulação. Pessoas e empresas, em choque, passaram a gastar só o essencial. O dono da Humana foi dormir com a empresa tendo dinheiro para pagar as contas dos próximos três meses e acordou tendo que descobrir onde achar dinheiro para pagar os funcionários e as contas. Com dinheiro sumido e empresas encrencadas, os empréstimos bancários ficaram difíceis e com juros estratosféricos.

Por uns poucos dias a Humana tentou se manter como estava, mas logo ficou claro que isso era inviável. O projetista francês voltou para a França repetindo o tempo todo "non ser sérrio". Um outro projetista entrou em pânico e saiu ligando para todos os amigos e em menos de uma semana tinha ido para uma empresa que "por coincidência" teria aplicado todos os seus recursos em bens de alta liquidez (não atingidos pelo bloqueio). Em menos de um mês a Humana tinha reduzido à metade o número de funcionários e devolvido a segunda casa.

Com a receita a zero, procurou-se ideias de novos produtos que pudessem ser desenvolvidos rapidamente e que tivessem procura nas novas condições. Surgiu a ideia de um produto baseado no Zapt e videotexto, para buscar o extrato do Bradesco de forma automatizada. Uma pesquisa rápida foi feita: a secretária ligou para várias empresas (escolhidas aleatoriamente na lista telefônica*) e perguntou para o responsável pela contabilidade se teria interesse no produto. O resultado foi extremamente positivo e o produto foi feito. E aí verificamos a diferença entre perguntar se alguém compraria e perguntar se vai comprar agora. Deve dar para contar nos dedos de uma mão o número de cópias vendidas. Com o tempo as vendas do Zapt saíram do zero, mas ficaram muito abaixo do que era antes.

O instante deste desastre foi o pior possível. Logo depois a reserva de mercado sumiu e junto com ela todos aqueles minis estranhos cujos terminais o Z e Zapt emulavam. Minis e mainframes foram sendo substituindo por micros. O Windows foi ganhando mercado e aplicações DOS foram perdendo. As redes locais finalmente se tornavam realidade e coisas como emulação de terminal e transferência de arquivo foram deixando de ser importante para as empresas. No horizonte estavam o email e a web.

O período de 90 até meados de 93 foram bem difíceis para mim. Apesar de alguns projetos legais, faltava achar uma nova direção. A Humana flutuava com dificuldades, às vezes ficando com a cabeça embaixo d'água mas nunca entregando os pontos.

Na metade de 93 apareceu uma oportunidade e mudei de emprego, mas isso fica para o próximo post. A Humana continuou em frente e anos mais tarde achou finalmente uma nova direção.

* Quem não sabe o que é isso procure na internet ; )

Um comentário:

Alfredo Meurer Junior disse...

O criminoso Plano Collor do confisco de todo o dinheiro da população e das indústrias foi o tiro fatal no já desmonte total das indústrias do Brasil.
Confiscar criminosamente todo o dinheiro e só deixar 50 dólares para cada pessoa física e jurídica com a total conivência do Congresso Nacional e o descaso fo STF acelerei de uma forma ultra exponencial o total desmonte irreversível do parque industrial brasileiro.
Após 16 de março de 1990 o Brasil andou a passos largos cada vez mais para trás e hoje o Brasil não passa do Brasil melhorado porém da Era Vargas, quando nós exportavamos meramente materia prima e o setor mais primário industrial, só que, o nosso agravamento em todos os aspectos está muito pior que na Era Vargas, com uma população cada vez mais embrutecida, mais rancorosa, mais intolerante, mais ausente dos gravíssimos problemas brasileiros e mais alienada, coitado do espaço geográfico chamado Brasil ele não merecia tido isso, ter um povo mau, rancoroso, omisso e completamente alheio a tudo de ruim que acontece com a nação e com o espaço geográfico brasileiro.