sábado, outubro 27, 2018

Resenha: Jack Kirby's Fourth World Omnibus

Um volume imenso, uma saga épica e recordações da adolescência.


A moeda de R$1 parece minúscula

Não tenho certeza do ano, mas foi numa época que eu estava parando de ler HQs, quando li algumas revistas da EBAL com histórias muito loucas do Superman envolvendo um tal "projeto DNA". Minha impressão foi que, como não estava mais acompanhando mensalmente as revistas, eu tinha perdido algumas partes importantes da história. Eu li mais algumas histórias isoladas em outros anos e conheci algumas ideias vagas da saga e seus personagens (principalmente em "The Great Darkness Saga" da Legião dos Super Heróis).

Algumas décadas depois, no final do ano passado (2017), a Amazon me apresentou como sugestão este volume que eu resenho aqui. O que me chamou primeiro a atenção foi o preço, na ordem de US$100. Achei coisa de louco. Nas semanas seguintes ao lançamento o preço subiu, chegando a ultrapassar US$120. Foi aí que eu resolvi investigar um pouco e acabei comprando o livro quando o preço baixou (afinal, quem precisa de dois rins?).

O roteirista e desenhista do "Fourth World" (do qual fazem parte as aventuras loucas que eu li na adolescência) é Jack Kirby. Conhecido pelos fãs como "King", Kirby é uma lenda cujo trabalho atravessou várias décadas. Nos anos 40, junto com Joe Simon, criou o Capitão América. Nos anos 60 participou do renascimento dos super-heróis na Marvel, junto com Stan Lee (o quanto cada um contribuiu para isto foi motivo de discussão entre os dois).

Em 1970 Kirby estava descontente com a Marvel, por considerar que ela não estava cumprindo os acertos verbais. Um ponto crítico (que levaria a brigas jurídicas) era a posse dos originais de seus trabalhos. Ao final de 1970, Kirby passou para a DC, num contrato que envolvia muito dinheiro e muito trabalho. A história que ele vendeu foi a que veio a ser chamada de "Fourth World Saga" (aparentemente ninguém sabe exatamente porque "quarto" mundo) e seria contada em três revistas novas (The New Gods, The Forever People e Mister Miracle). A DC exigiu que Kirby assumisse uma revista já existente e ele escolheu "Superman's Pal Jimmy Olsen" (um título secundário mais conhecido por histórias absurdas), por ser um título que não tinha uma equipe alocada (ele não queria que ninguém perdesse o emprego por sua causa). Devido às complicações associadas ao lançamento das novas revistas, as primeiras histórias da saga saíram justamente nesta última, de onde foram para as revistas da Ebal. Portanto, todos os leitores experimentaram o mesmo impacto que eu.

A base para o Fourth World é o surgimento dos "Novos Deuses" em dois planetas (New Genesis e Apokolips, após a morte dos "Deuses Antigos" no Ragnarok. Na saga a luta entre os dois planetas se desloca para a Terra, onde Darkseid (o líder de Apokolips) procura a "equação anti-vida" (uma forma de controlar a vontade das pessoas, que assim "deixam de viver").

As histórias são grandiosas e intensas, misturando visões religiosas e científicas com a cultura hippie dos anos 70. O desenvolvimento da trama não é totalmente linear e partes importantes são reveladas somente depois de muito tempo. A imaginação de Kirby parece não ter limites: personagens novos surgem a cada exemplar, cada um com sua personalidade e história pregressa. O Superman de Kirby se destaca por pequenos detalhes, realçados pelo contraste com a juventude de Jimmy Olsen. Uma curiosidade é que a DC exigiu que as faces de Superman e Jimmy Olsen desenhadas por Kirby fossem refeitas por Al Plastino, que era o desenhista oficial de Superman. O livro traz algumas artes originais que mostram que isto foi uma tolice desnecessária.

Original de Kirby à direita, versão final à esquerda
The New Gods se centra em Orion (que as profecias dizem que travará a batalha final contra Darkseid); The Forever People é sobre um bando de novos deuses bem hippies e com poderes não bem definidos. Mister Miracle é a série mais estranha; Scott Free é um fugitivo de Apokolips que assume o papel de super escape artist. Toda história de Mister Miracle contém pelo menos uma armadilha absurda da qual Scott escapa de uma forma quase mágica.

Tão rapidamente quanto surgiu, as histórias do Fourth World se foram. A relação entre Kirby e a DC deteriorou e as revistas foram sendo descontinuadas. O primeiro passo foi o encerramento do arco na revista Jimmy Olsen. The Forever People e New Gods se encerraram no número 11, esta última com a promessa da batalha final entre Orion e Darkseid.  A visão inicial de Kirby era Fourth World ser uma mini-serie encerrada por esta batalha, porém com o sucesso a DC não permitiu o encerramento definitivo. Mister Miracle continuou por mais alguns números, mas de uma forma estranha. As referências ao Fourth World sumiram (junto com alguns personagens), adversários bizarros substituíram os enviados de Apokolips e até a motherbox (não pergunte, o que é, nunca foi explicado direito) virou simples "circuitos especiais". Tudo voltou de forma explosiva e inconclusiva no último número da revista, com (spoiler!) o casamento de Scott Free e Big Barda.

Em 1984, a DC resolveu republicar as histórias da revista New Gods como uma mini série em seis volumes. No sexto volume, uma história extra, escrita e desenhada por Kirby, daria um final à saga. Mais uma vez os editores vetaram um final definitivo e o resultado foi uma história que serviu de prólogo para uma graphic novel (também de Kirby) que dava um relativo encerramento sem matar os personagens. Estes duas histórias extras estão também neste Omnibus.

Veredito: Recomendado, se você estiver a fim de encarar o preço elevado e o esforço de manusear um livro com quase 1500 páginas pesando mais de quatro quilos.

Fourth World retrata o que gosto e o que eu não gosto no "estilo Marvel". De vez em quando eu me canso dos tons pomposos, das batalhas épicas sem resultado e dos poderes ridículos e mal definidos. Mas isto é compensado pelos bons momentos e pelas artes grandiosas.

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