Revolver marca definitivamente o início da fase psicodélica dos Beatles. O contato com as drogas marca as composições, embora muitos só percebessem isto no álbum seguinte. O som se afasta do folk que permeou os álbuns anteriores e se aprofunda no rock com destaque para as guitarras. Nota-se também que os Beatles passam a trabalhar menos com grupo, várias faixas não contam com a presença dos quatro.
Do ponto de vista técnico as gravações passam a ser altamente complexas. Um novo recurso ficou disponível para eles: o ADT (Automatic Double Tracking). Era comum o uso de double tracking nos vocais, mas era um trabalho árduo: era preciso gravar duas vezes o mesmo material sem grandes diferenças, o que com frequência exigia várias tentativas. John Lennon, em particular, reclamava com frequência deste trabalho. Um dos engenheiros de gravação, Ken Townsend, teve a ideia de gerar o efeito automaticamente. Com isto o efeito pôde ser facilmente aplicado a outros sons além de vocais - e os Beatles passaram a utilizá-lo em quase tudo.
George Harrison passa a aumentar sua produção como compositor, contribuindo três músicas para o álbum, inclusive a que abre o álbum.
Vamos às faixas.
Taxman
Composição de George, provocada pela sua descoberta de quanto imposto estava pagando. Para quem reclama da faixa de 27,5% do IR brasileiro, os Beatles se encaixavam em uma "supertaxa" de ... 95%.
Embora a composição seja de George, John deu uma ajuda na letra e Paul é o responsável pelo solo de guitarra (que foi tocado pelo próprio Paul). Paul tomou o cuidado de dar um certo "ar indiano" ao solo.
Eleanor Rigby
Uma das obras primas de Paul (que contou com a ajuda dos outros Beatles). Nenhum dos Beatles toca instrumento nesta faixa, o acompanhamento é feito por um octeto de cordas. Eleanor Rigby transcende às classificações usuais de gênero, tendo inspirado adaptações dos mais diversos tipos de artistas, como Stanley Jordan (guitarristas amadores: não tentem fazer isto em casa!):
http://www.youtube.com/watch?v=http://www.youtube.com/v/OHZTyfKseZE
I'm Only Sleeping
Composição de John, com vários truques de gravação. Em particular, George tocou o solo ao contrário (isto é, com as notas na sequência inversa) e a gravação foi tocada em reverso. Desta forma as notas ficam na ordem correta mas o som de cada nota está invertido. Além disso, parte do acompanhamento foi gravado em velocidades diferentes, o que gera o efeito psicodélico do som.
Love You To
Composição de George, que tenta incorporar música tradicional indiana. Ringo toca tamborim e um músico convidado toca tabla, o resto dos instrumentos e vocais é de George; Paul e John não participam da gravação final. A faixa inclui ADT nos vocais e trechos de guitarra reproduzidos ao contrário.
Here, There and Everywhere
Uma balada delicada de Paul, que canta com voz bem aguda.
Yellow Submarine
Composta principalmente por Paul, para ser o número vocal de Ringo, conta com inúmeros efeitos sonoros. Embora seja uma canção para crianças (nas palavras do próprio Paul), ela se encaixa bem no clima psicodélico do resto do disco.
She Said She Said
Música de John, inspirada por uma conversa com Peter Fonda, quando os dois estavam sob o efeito de LSD. Foi a última música gravada para o álbum; Paul não participou da gravação, quem toca baixo na faixa é George.
Good Day Sunshine
Composição alegre de Paul. O solo de piano é de George Martin,
And Your Bird Can Sing
Música de John, com destaque para um riff de guitarra tocado por Paul e George.
For No One
Uma canção de Paul, provavelmente inspirada pelo fim de seu relacionamento com Jane Asher. George e John não participaram da gravação, Ringo cuida da percussão, um músico convidado toca o solo de trompa (um ponto marcante da música) e Paul canta e toca o resto dos instrumentos.
Doctor Robert
Música de John sobre alguém que distribui drogas. Existem suspeitas que se refiram a algum médico real, anos mais tarde disse que Doctor Robert era ele próprio. Curiosamente, as referência a drogas não foram percebidas na época.
I Want To Tell You
Música de George, com uma discreta influência indiana (como o acompanhamento repetitivo e meio hipnótico). O baixo de Paul foi gravado separado do resto da base, como um overdub, o que passaria a ser frequente nos discos seguintes.
Got To Get You Into My Life
Paul experimentando, com sucesso, fazer música soul americana. O destaque é para os metais e o vocal de Paul.
Tomorrow Never Knows
Fechando o álbum, a primeira música gravada para ele. E é uma composição marcante, de cunho bem experimental. Criação principalmente de John, que se inspirou no livro "A Experiência Psicodélica: Um Manual Baseado no Livro Tibetiano dos Mortos".
O nome da música vem de mais um malapropismo de Ringo. A estrutura é derivada da música indiana e gira em torno da repetição de uma única nota.
Lennon pediu para George Martin que sua voz soasse como a de uma centena de monges no alto de uma montanha. A solução foi o ADT. A partir de aproximadamente metade da música (1:27 para quem quiser verificar) a voz de John está saindo de um alto-falante rotatório Leslie, dentro de um orgão.
Os sons dos instrumentos também foram processados, e alguns deles foram tocados de trás para frente.
Completando os efeitos especiais, uma série de sons foram gravados em gravadores de rolo portátil e depois a fita foi cortada e colada em loop. Na hora de tocar a fita era mantida esticada através de um lápis, o que permitia mudar ainda mais o som. O resultado não dá para descrever, só mesmo escutando a faixa.
Um comentário:
"Tomorrow Never Knows". Umas das minhas musicas preferidas em todos os tempos. Me apaixonei por ela desde a primeira vez que ouvi. Quando expliquei o método de criação da música a um discípulo de música eletrônica, converti mais um a Beatlemania.
Os Beatles nunca serão apagados da História da Música.
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