domingo, abril 21, 2019

Resenha: Bad Blood - Secrets an Lies in a Silicon Valley Startup

Em 2015, a revista Forbes apontou Elizabeth Holmes como a mais jovem bilionária americana. Isto graças à estimativa do valor de US$9 bilhões da empresa que ela fundara em 2003, a Theranos. Esta empresa teria desenvolvido um aparelho capaz de realizar mais de uma centena de exames de sangue a partir de uma pequena picada na ponta do dedo (e entregar os resultados mais rápido e com mais precisão que os aparelhos já existentes). No ano seguinte, a revista revisou a fortuna de Elizabeth para zero, após reportagens que revelaram que o aparelho não funcionava.

Bad Blood conta a história da Theranos e tenta explicar como um logro deste tamanho ocorreu.



Como muitas empresas, a Theranos surgiu de uma ideia de uma pessoa (no caso Elizabeth) e cresceu à base de sucessivas rodadas de financiamento por investidores. Sem dúvida o primeiro fator para isto foi a capacidade de Elizabeth como vendedora e as conexões que sua família tinha. O objetivo declarado da empresa era nobre e parecia (para quem não conhece as dificuldades) algo plenamente viável neste tempo em que vemos coisas que pareceriam milagres cem anos atrás.

O conselho (board) da Theranos teve sempre nomes notáveis. Henry Kissinger é, talvez, o nome mais conhecido internacionalmente, mas outros nomes importantes da vida pública americana tiveram participação importante (como George Shultz). A presença destes nomes foi tratada pelos investidores como prova da idoneidade e relevância da empresa e seu produto, sem se atentaram ao fato de que nenhum deles tinha os conhecimentos necessários para a validação da tecnologia. Elizabeth também cativou algumas pessoas chaves nos seus (poucos) clientes.

Um outro fator que pesou foi o imenso sucesso, na mesma época, de empresas como Uber e Facebook, que tinha uma história (superficialmente) parecida. Investidores enxergavam a Theranos como a oportunidade de ganhar milhões como os que apostaram nestas empresas bem sucedidas. Mesmo decepcionados com sucessivos atrasos na entrega dos equipamentos, os clientes mantinham os contratos com medo de estarem pulando fora na véspera do sucesso. Ou, pior, que uma tecnologia desruptora passasse para as mãos de um concorrente.

Internamente, a postura agressiva e paranoica do COO (Chief Operating Officer) Ramesh Balwani (que tinha em um relacionamento amoroso não pública com Elizabeth), acompanhada de advogados brandindo NDAs (acordos de confidencialidade), garantia que os funcionários não revelariam as práticas estranhas (e, em casos críticos, desonestas).

O aparente sucesso da Theranos atraiu políticos e famosos que, na tentativa de aproveitar os holofotes, acabaram reforçando a imagem positiva da empresa.

Em 2013 a Theranos, em parceria com a rede de farmácias Walgreens, passou a oferecer comercialmente o serviço de análise de sangue, com uma seleção limitada de testes. Embora teoricamente os testes seriam feitos pelo equipamento da Theranos a partir da picada na ponta do dedo, na prática as coisas eram bem diferentes (leia o livro!) e os resultados tinham margens inaceitáveis de erro.

Com tanta pilantragem e a saúde de pessoas em risco, finalmente surgiram denuncias. Elas chegaram ao jornalista John Carreyrou do Wall Street Journal (que é o autor do livro). Apesar das táticas pesadas da Theranos para calar os acusadores (muitas vezes com sucesso), Carreyrou conseguiu provas suficientes para escrever artigos em outubro de 2015 desnudando a farsa. Três anos depois a Theranos fechou definitivamente as portas. Processos civis e criminais rolaram e ainda rolam e Elizabeth e Ramesh correm o risco de serem presos.

O livro é daqueles que a gente não consegue parar de ler. Como fã dos thrillers de Michael Crichton, é uma prova de que a realidade consegue superar a ficção.

Não acho que o caso todo deva ser associado somente à má fé de Elizabeth, Ramesh e alguns outros. Existem outros aspectos a considerar. A Theranos não era somente criminosa, era também extremamente incompetente, da forma como gerenciava a empresa, tratava funcionários e até negligenciava aspectos básicos (uma empresa bilionária usar reagentes vencidos?).

Percebe-se também um alerta ao canto da sereia das startups. A ideia era ótima, mas a Theranos não tinha ideias concretas de como viabilizá-las (ela não tinha ideia nem mesmo das dificuldades que iam enfrentar). Maratonas dos funcionários e slogans de auto-ajuda não iriam resolver em dias problemas que persistiam há anos. A distância imensa entre protótipos e produtos foi ignorada.

Por último existe a questão da regulamentação. A Theranos procurou se posicionar, usando argumentos muito discutíveis, em um nicho cinzento. As entidades reguladoras se mostraram lentas e desaparelhadas para agir.
Veredito: recomendado!

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