Acho que todo mundo conhece a história da sopa de pedra: o sujeito chega faminto na cidade e o pessoal diz não ter comida. Aí ele fala que vai fazer uma sopa de pedra e, aos poucos, as pessoas vão dando os ingredientes. Após todos se deliciarem com a sopa, ele lava a pedra e segue em frente.
Tenho reparado que algumas pessoas conseguem usar este paradigma para obter um apoio que, à primeira vista, é inexistente.
O Professor de Biologia
Eu fiz ginásio e colégio em uma escola estadual. Era uma escola experimental que foi aniquilada a partir do final dos anos 60 (boa educação é subversiva). No primeiro colegial a gente teve biologia com um professor que tinha acabado de entrar na escola. Acho que o nome dele era Roberto Biasoli, mas todos o conheciam por Betão.
Até hoje lembro da sensação da primeira aula. A sala era no terceiro andar (no final de uma longa rampa) e era o que (na época?) se chamava de laboratório: uma sala com azulejos até o teto. Embaixo da lousa (literalmente um quadro negro, que resistia impiedosamente aos giz vagabundos) uma bancada também de azulejos, com prateleiras vazias em baixo. Em cima da bancada, uma pequena pilha do Diário Oficial. As carteiras eram velhas e maltratadas pelo tempo e pelos estudantes.
O Prof Betão falava de forma apaixonada, batendo na lousa e nas carteiras um pedaço de antena de fusca. Foi conquistando apoio. De um diário oficial amarelado sacou uma lei que regulamentava as "Associações Juvenis de Amigos da Natureza" (em uma época em que ecologia ainda não era moda). Fundou uma no colégio, organizou uma eleição da diretoria, obteve uma sala, ganhou permissão para usar um pedaço do corredor externo nos fundos do prédio. Entre as curtas verbas oficiais, o auxílio da Associação de Pais e Mestres e doações diversas, foi povoando a sala de aula e as dependências da AJANOA. Em paralelo, organizou excursões nos fins de semana. As primeiras com a presença dos pais, para ganhar a confiança e depois só os alunos. Íamos de trem até a Serra do Mar e de ônibus (precários e bancados pelos estudantes) para as praias. O ponto alto foi no final do ano quando conseguiu a doação de uma dezena de microscópios novinhos (sempre achei irônico o fato de serem de fabricação russa).
Sopa de Pedra ou Milagre?
Na Primeira Comunhão de um dos meus sobrinhos, o sermão do padre foi bastante inesperado (levar em conta que meus conhecimentos religiosos são mínimos). Comentando o que é conhecido como o "milagre da multiplicação dos pães peixes", o padre afirmou que Jesus não os multiplicou. A sua mensagem teria levado as pessoas a compartilhar a comida que elas próprias teriam levado. Pela reação das pessoas (e por uma consulta rápida à wikipedia) não me parece que esta interpretação seja muito adotada.
A Sopa de Pedra no Nosso Dia a Dia
É bastante comum nos vermos frente a situações onde os recursos são escassos. As reações comuns são reclamar que terceiros deveriam ter fornecido estes recursos ou simplesmente declarar que apenas um milagre os pode gerar. Não reparamos que os recursos estão ao nosso redor, um pouco com cada um. A solução é fazer uma sopa de pedra, lembrando que a pedra em si é irrelevante. O importante todos se convencerem que a sopa logo estará aí para ser desfrutada e que é preciso ir ajudando, um pouquinho cada um, para que ela se complete.
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